Osteotomia Femoral e Acetabular

O tratamento cirúrgico não protésico da displasia da anca (vide displasia da anca) tem dois objetivos: corrigir a displasia (seja ela acetabular ou femoral) e tratar as lesões articulares resultantes dessas alterações displásicas e assim melhorar a biomecânica da anca para tentar evitar o desenvolvimento de artrose secundária.

A correção da displasia implica alterar a forma da articulação de modo a torná-la mais congruente e consequentemente mais estável. A maneira que temos de alterar a forma e orientação quer do acetábulo quer do fémur é com recurso a osteotomias (cortes ósseos). Estas (osteotomias) criam fragmentos ou “blocos ósseos” livres passíveis de serem mobilizados e colocados na posição pretendida (para corrigir a displasia) e posteriormente fixados com recurso a placas e parafusos. Outrora muito populares as osteotomias pélvicas e femorais não pediátricas (pós-adolescência) foram-se tornando cada vez menos frequentes, sobretudo pelo sucesso e evolução técnica da prótese da anca (realizada em idades cada vez mais precoces e com maior longevidade) – vide prótese da anca.

Outro fator crucial e limitativo das osteotomias é a gravidade da lesão articular, nomeadamente da cartilagem. O segredo do sucesso e da longevidade das osteotomias (taxa de conversão de uma osteotomia em prótese da anca no futuro) está intimamente relacionado com diagnóstico precoce da displasia e das lesões articulares. Para além disto as osteotomias pélvicas e femorais são cirurgias complexas, com recuperação longa e com potenciais riscos (lesões vasculares e nervosas) pelo que devem ser realizadas por especialistas em cirurgia da anca e bacia.

São várias as osteotomias pélvicas descritas ao longo dos anos (algumas já em desuso) mas a osteotomia descrita em 1984 pelo Professor Reinhold Ganz em Berna na Suíça, e por isso designada de osteotomia de Bernese ou osteotomia peri-acetabular (PAO – periacetabular osteotomy) é atualmente o gold standard (procedimento de referência) para o tratamento das displasias acetabulares. Não só pela versatilidade e possibilidades na correção da displasia (cobertura, versão e medialização acetabulares) mas também por manter a integridade da coluna posterior do acetábulo, o que permite uma deambulação e reabilitação precoces fundamentais para retirar morbilidade a este procedimento cirúrgico. Atualmente com mais de 30 anos de história, apresenta nas “melhores mãos” uma taxa de sobrevivência (não conversão em prótese) de 60% aos 20 anos e de 30% aos 30 anos (publicado em 2016). A cirurgia pode ser realizada por diferentes abordagens (ilio-inguinal, Soballe, Smith-Peterson) sendo a ilio-inguinal a via inicialmente descrita. São feitas 4 osteotomias (cortes ósseos) e uma fratura controlada em redor do acetábulo. O fragmento solto é depois mobilizado para a posição pretendida e fixado com parafusos.

Em relação às osteotomias femorais elas são essencialmente cirurgias de varização e desrotação femoral (por isso chamada de osteotomia varus-desrotacional – VDO) com o objetivo de “levar” a cabeça do fémur a apontar para o “centro” da cavidade acetabular. Podem ser realizadas isoladamente ou em associação com as osteotomias acetabulares e são bem menos complexas tecnicamente do que estas. A via de abordagem é lateral à anca e diretamente “em cima” do local onde é normalmente feita apenas 1 osteotomia na região inter-trocantérica (entre o grande e o pequeno trocânter). Depois de feita a correção a osteotomia é fixada com uma placa-lâmina e parafusos específica para estas situações.

Com o sucesso dos programas de rastreio precoce de displasia da anca e com a evolução técnica que as próteses da anca têm tido nos últimos anos as osteotomias pélvicas e femorais têm-se tornado cada vez menos frequentes. No entanto, ainda ocupam o seu lugar no tratamento de um grupo específico de pacientes com doença displásica não artrósica sintomática detetada precocemente pois nestes casos podem não só tratar a displasia e os seus sintomas como também evitar o aparecimento de uma artrose da anca secundária.

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